Era um triângulo amoroso, não consentido. Eram dois que sabiam de três e um que sabia de dois. Era uma outra era. Se se chamassem João, Maria e José diria que João amava Maria e comia José; José amava João que comia Maria; Maria não comia ninguém, mas não porque era Maria, não tinha libido. E assim viviam.
José nunca contou de João, era um caso escondido. Um relacionamento sério não declarado. João vivia com Maria e com seus filhos. Filhos mal comidos, criados por Maria enquanto João comia José. E Maria comia abacate: abacate com açúcar, abacate com mel, abacate com anilina.
João trabalhava num escritório de advocacia, ganhava dinheiro e desculpas do porque de não voltar cedo para casa. João trabalhava sem horários fixos, era senhor de si mesmo e não precisava fugir de casa. Maria fugia da rua, escondia-se atrás das cortinas, do fogão da empregada, do rosto preocupado dos filhos. Vivia a desenhar abacates: abacates com criolina, abacates com gasolina, abacates mal acabados.
José dormia de manhã, transava de tarde, saia de noite. João trabalhava de dia e transava de tarde, de noite e de manhã quando conseguia uma nova secretária. Maria transava de noite, quando lhe permitia a libido.
Maria não era triste, sempre havia sido deprimida, mas o ansiolítico combinado com o antidepressivo e com o novo remédio para úlceras impedia a tristeza, impedia a felicidade, impedia o assombro. Nunca soube de José. Preferia ignorar o que não sabia e até o que sabia. Não crer descrê a verdade.
José vivia o momento, o insight perfeito. Amava o homem casado, amava a vida de amante. Adrenalina em mesa de sinuca.
João estava ali, sendo o que era, sem pesar prós e contras. Vivia à mercê do vento e do inconstante. Inconstante que se tornava constante. A rapidinha da manhã, o almoço escondido, o sexo com José, a conversa com os filhos, a comida na Maria.
Atrás do fogão da empregada, os abacates.
João trabalhava demais, de menos, demais, de menos. Dependia de pra quem, quando ou seu temperamento. Num dia trabalhou demais, para todos seus casos. E voltou pra casa com olhos semicerrados de cansaço. Enquanto atravessa uma rua movimentada a passos lentos foi surpreendido ao esbarrar em uma ladra. Uma ladra que no susto disparou sua arma. E João caiu, fechando os olhos semicerrados que nem conseguiram se abrir para mostrar o espanto da ida de sua alma.
Maria comia abacates enquanto recebeu o fatídico telefonema. Com a notícia teve de mudar de vida. Largou os adicionais, passou a comeu apenas abacates. Reduziu nas toxinas e se viu dona de si e de seus dias.
José ainda espera pelo telefonema no final da tarde. José espera ser fudido em seu não horário livre. José espera saber a que horas sai seu caso especial. O telefone só dá desligado, pelo escritório ele não passa mais, não almoça mais nos locais escondidos. José espera pela alma de João, para que tenha mais um sexo épico, com quem nem sabe se está ou se foi. José espera por uma única ligação, nem que seja pra dizer "nunca mais". José espera. E a todos que encontra na rua ele diz: "me come?".
Flora S.
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Descompasso
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sábado, 10 de março de 2012
Pisco
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quinta-feira, 7 de abril de 2011
Amanhã
Se entender um pouco mais de Clarice me tornou mais sensível, peço desculpas. Se meu amor me machucou até a última dor, então. É, amor, pequeno, grande, estranho, amor. E na janela amarelada, na teia embaraçada, me perdi. Detalhes? Assim como o mundo que passou e não vi. Perdi segundos, pequenos e ínfimos segundos. E agora sinto-me uma canção americana. Belas canções são sofrer, são doer. Belas canções que não quero ser. Ou quero?
Entender um pouco de Clarice me tirou de mim. Ou seria eu mesma quem me transformou? Confusões fazem sim mais confusões. Ao se perder na pequena mentira perde-se a possibilidade de ser confiável. Confio eu mesma em mim quando minto? Fingir se torna verossímil de tal maneira? E quando se confunde em si mesmo é você capaz de se encontrar no outro?
Perdi. Agora, nesse único segundo. Raciocínios mais rápidos que milésimos se intercambiam com memórias. Perdi o segundo todo, um segundo inteiro quando perdido faz muita falta. E que falta faz eu confiar em você quando confiar em mim ficou tão difícil. Me troquei em segundos por um outro eu, outra eu, outro, outra, eu. Me troquei por saber que ser não é. Sabendo que trocar mascara a dor.
Silêncio
Explode em mim, alívio meu. Alivia o bem, arranha o mal. Donde vou? Donde vim? Devo eu fazer sentido? Perdi.
Adeus, segundo triste. Vou agora pensar naquilo que me cabe, no incubido, no segundo estranho, em besteiras. Agora serei mais eu, serei Bem, bem eu. Agora, aqui estou. Adeus, perdi, adeus. Adeus. Toc.
Flora S.
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quarta-feira, 2 de março de 2011
Sufoco
Será que narro eu ou sou eu narrada?
Me fiz da história?
Me perdi na trama.
Enquanto me procuro nesse emaranhado solto
Fujo de sons
Procuro Notas
Desisto de sopros
Desisto?
Talvez o tenha feito há muito tempo
Talvez o faça agora
Apenas isso
Brainstorm
Flora S.
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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
Tschüss Schminke
Cansada do pré disposto.
Se era tanto, por que passou?
Se tão rápido, por que fugiu?
Se tão bela, por que não mortal?
Se tão famosa, por que salto alto?
Jogue fora os scarpins dourados, os saltos de palha e os olhos delineados.
Por que quem está na moda quebra a regra.
Flora S.
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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Melancolia moderna
E foi assim, apenas nesse fulgor momentâneo que encontrei em mim a falta de ti.
Sabe quando a gente aprende o be-a-bâ e muita coisa se perde no antes?
Perdeu-se então, como sempre se perde,
Ah, vide a vida que lhe apresento,
Mas aí está a beleza de uma falta, de um suprir.
Tudo é muito, tudo trasnborda e o que era muito se torna ainda menor.
É que faltar talvez não seja o pior,
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quinta-feira, 30 de setembro de 2010
Ato primeiro
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domingo, 18 de julho de 2010
Mascarade
Aprendeu a andar. Parou de usar fraldas. Falou pouco durante a infância. Estragou muitas paredes e brinquedos fazendo arte. Nadou durante anos, fez aulas simplesmente porque faz bem, toda criança faz. Abandonou o parquinho, o jardim de infância. Brincou com outras crianças, fez amigos. Foi uma criança normal na mais plena normalidade.
Estudou bastante para as provas difíceis, fora isso procurou fugir dos estudos. Leu pouco, ouviu músicas apenas quando saia ou ia a festas. Frequentou a academia. Fugiu do pensar e das dores. Era assim, tudo simplesmente resolvido. Ficou com algumas pessoas. Namorou quando teve chance. Deu em cima, flertou e transou. Mas para os pais sempre foi normal. Normal.
Usou drogas, bebeu bastante. Frquentou muitos bares e boates. Dirigiu carros rapidamente. Se formou. Fez um curso em busca do diploma, apenas isso. Trabalhou uma vida inteira, um trabalho, não uma carreira. Não formou nenhuma família, priorizou o bem dos pais.
Largou as drogas. Fugiu do álcool. Passou a dirigir lentamente. Parou de fazer arte. Parou de estudar por obrigação, parou de estudar totalmente. Parou de nadar e de brincar. Parou de malhar. Ganhou barriga, ganhou papada, ganhou peso. Ganhou dinheiro. Se bancou. Seus pais morreram. Ficou sozinho ou seria sozinha? Esqueceu de definir quem era.
Flora S.
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domingo, 20 de junho de 2010
Entranse
Teu peito
Sempre sente
Me ama
Me come
Me transa
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Postado por Flora às 23:06 2 comentários
domingo, 2 de maio de 2010
Ardeu
Amor é fogo
-Silêncio
Que arde
-Silêncio
E tudo o mais que eu dissesse virava silêncio
Vazio, sem nada
Ele ali e nada
Eu aqui, ardendo
Ele ali e silencia
Eu aqui e fala
Ele ali, perto, longe, longe, distante
Eu aqui, ele lá
Nós dois juntos mas sem junção
Amor é fogo.
-Seu
Que arde sem se ver
-Não vejo
Apagou
Flora S.
Postado por Flora às 20:54 1 comentários