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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Folia desmedida

A cidade ficou embriagada. Pleno carnaval, falta de pessoas, de luz, de carros e de buzinas. Os blocos já se despediram no último raiar de samba. Mas a cidade ficou embriagada. As cervejas jogadas pelo chão, juntas de caixas de papelão e dos rastros de multidão. A ressaca vem logo depois, mas a cidade ficou embriagada. É que a mulher se sentou sobre seus tamancos, mostrou-os que o mundo não é cor de rosa, sujou-os com o negrume dos pés descalços. A mulher estava embriagada, os tamancos estavam desesperados. E eles realmente tentaram fugir, mas como podem simples calçados se recusarem a cobrir pés sujos? A cidade estava embriagada.
É que não havia só uma mulher, havia dois homens correndo pela avenida. Queriam uma emoção, o álcool já não era bastante. Queriam um carro, uma batida, um desvio. Não encontraram nada disso, encontraram a adrenalina do não batido, do quase asfalto. Mas dois homens apenas não se embriagaram sozinhos, tinha ainda gêmeos que se esconderam em rabos de cavalo e chapéus idênticos. Roupas similares e garrafas em mão, só o violão podia destoar um de dois, dois de um. Mas se um era dois ou um era um, que um soubesse quem era, que dois soubesse que não o era. A cidade estava enebriada.
Não prego nada de duplicidade, não havia apenas dois em dois. Havia um bêbado se equilibrando no meio da rua pedindo carona. Queria o ar de qualquer lugar, o assento de qualquer direção. E se ele ficava na ponta dos pés um outro se sentava sonolento. Sonolento, porém simpático, cumprimentando casais, cães e pássaros. Cumprimentando oi's e tchau's descarados, cumprimentando o medo dos cumprimentos obrigados.
E a velocidade do carro que mal existia continuou se escondendo em precauções pós carnaval. As árvores respiravam o álcool das bebidas soltas. O asfalto sentia falta da borracha de carros, entretanto sentia-se asfixiado com tanto lixão. A cidade não tinha mais blocos, não tinha mais beira, mas tinha muita saidera. Tinha tanta gente que repetia saideras. A cidade estava quase de ressaca, o carro não passou dos 60. Observou cada paralelepípedo, escutou cada música de rádio, cada grito desesperado. O carro ficou sem álcool, a cidade ficou de ressaca.

Flora S.